We welcome this guest post by Ronaldo Zacharias (UNISAL- Brazil) on the recently published essay “An Interdisciplinary Theological Method from the Knowledge of the Forgotten” by Alexandre A. Martins.


De que modo o autor oferece novas perspectivas no que se refere à Teologia Moral e ao método usado por ela?

A meu ver, cinco são as perspectivas a serem destacadas:

  • Toda teologia é contextualizada e, por isso, não tem sentido chamar de “teologias contextuais” apenas as que são desenvolvidas no Hemisfério Sul. Embora as reflexões teológicas sejam feitas em determinados contextos socioculturais e, portanto, respondam às demandas históricas de um determinado povo, é importante deixar claro que todas elas, independentemente de qualquer contexto lidam com a mesma revelação que Deus fez de si durante a história da salvação;
  • O reconhecimento da importância da interdisciplinaridade na reflexão teológica, deve incluir, no próprio conceito de interdisciplinaridade, as experiências, as vozes e as narrativas dos “últimos” (pobres, marginalizados, oprimidos, sofredores, esquecidos e excluídos). Essa inclusão, além da contribuição específica que poderia significar para a Teologia Sistemática, serviria para diminuir as tentativas válidas, mas sempre imperfeitas, de compreensão do mistério de Deus, do qual deriva o agir dos que foram criados à imagem semelhante à dele;
  • A realidade em que vivem os “últimos” é um lugar teológico. Dela emergem gritos de sofrimentos que precisam ser devidamente interpretados, a fim de que seja possível colher, no significado de tais gritos, os apelos por uma vida que possa ser vivida com dignidade e respeitada nos direitos que a tornam mais humana. A interpretação de tais gritos exige do teólogo a devida humildade para viver com os “últimos”, partilhar das suas experiências, participar das suas lutas;
  • A opção pelos “últimos” não é um mero indicativo para quem faz Teologia. Trata-se de um imperativo se se quiser entender a ação de Deus na história humana. Embora tanto a experiência de Deus quanto a reflexão teológica sejam sempre contextualizadas e, portanto, resultado também dos condicionamentos históricos, elas sempre contêm um elemento de universalidade que pode dialogar com qualquer contexto: a opção preferencial pelos pobres. Essa opção se converte, assim, num imperativo ético-moral;
  • Uma vez que os “últimos” devem ser inclusos no conceito de interdisciplinaridade e as realidades nas quais vivem devem ser afirmadas como lugar teológico, todas as medicações hermenêuticas no fazer teológico devem empenhar-se para que o desejo de Deus por justiça se realize. Não é possível fazer teologia e ser indiferente ou cúmplice de realidades incompatíveis com o desejo de Deus de que todos os seus filhos e filhas tenham vida em abundância. Isso implica que todo fazer teológico deve estar comprometido com a implementação da justiça e, consequentemente, com o combate a todas as formas de violência derivadas das injustiças cometidas contra os “últimos”. Nessa perspectiva, não tem sentido uma ética que não seja da libertação, fundamentada na experiência e na práxis dos “preferidos de Deus”.

Quais são os pontos fortes do argumento proposto pelo autor?

Também aqui apresento cinco pontos que me parecem muito importantes:

  • É prepotente toda pretensão de universalidade da reflexão, inclusive no campo teológico-moral. Se, por muito tempo, a abstração dominou a discussão teológica sobre os mistérios divinos, deu origem a uma teologia cristã distante das experiências de vida das comunidades de fé e menosprezou a importância das teologias chamadas contextualizadas; hoje precisamos ser humildes e reconhecer que esse tipo de reflexão não é suficiente para suscitar e nutrir a fé das pessoas;
  • É preciso combater a mentalidade colonizadora que impera também no campo teológico, como se “teologia” pudesse ser feita apenas num determinado contexto e de uma determinada forma. Não tem sentido um fazer teológico que não reconheça como fundacionais os gestos concretos da autorrevelação divina: Deus envolveu-se de tal forma na história da humanidade que, ao ver o sofrimento do seu povo, desceu para libertá-lo da escravidão; depois de ter esgotado todos os meios para manter sua aliança com seu povo, enviou o seu Filho para assumir a carne humana e resgatá-la para sempre; concedeu que seu Espírito habitasse no íntimo dos seus filhos e filhas para que pudessem guiá-los à plenitude da liberdade. Por isso, a teologia, inclusive moral, que se impôs por séculos na Igreja, precisa descolonizar. Sua pretensa universalidade deve-se a uma série de poderes que precisam ser desmantelados;
  • Não existe um diálogo entre Deus e a humanidade que não seja mediado pela História e pela história de uma comunidade. A reflexão teológica, portanto, deve emergir sempre de uma comunidade de fé e retornar a essa comunidade para transformá-la. É nesse contexto que o trabalho dos teólogos moralistas deveria situar-se. A reflexão teológica “profissional” deveria expressar a experiência de libertação de comunidades que se empenham para discernir a vontade de Deus em contextos em que imperam toda forma de injustiça e transformar tal contexto segundo as exigências do Reino;
  • O fazer teológico deveria caracterizar-se pela contemplação do mistério de Deus e pelo diálogo entre todas as instâncias de reflexão que visam favorecer o fiel seguimento a Jesus Cristo e a abertura ao Espírito. A experiência de fé autêntica supõe encontro entre pessoas. Ao Deus que se revela como presença, as comunidades de fé respondem com o compromisso concreto de buscar a unidade, a fraternidade e a solidariedade. Nessa experiência, o diálogo é a mediação-chave; diálogo com Deus, com a História, com os outros e, especialmente, com os mais injustiçados, os “últimos”;
  • Um autêntico diálogo requer disposição e capacidade de escuta e acolhida do que é dito e de quem diz alguma coisa. Quem está a serviço da vida dos “últimos” não se pode dar ao luxo de escolher com quem dialogar. Todos os interlocutores são mediações necessárias se se quer contribuir com o desenvolvimento integral das pessoas e do mundo. Entre todos eles, os “últimos” têm muito a ensinar, tanto porque participam do sensus fidei quanto porque, em sua carne, carregam os sofrimentos da humanidade.

O recurso do autor à interseccionalidade enriquece sua argumentação teológica?

  • A própria historicidade de uma experiência de fé requer ferramentas para que seja possível não apenas ver o que está acontecendo, mas interpretar os fatos à luz da autorrevelação de Deus. Tais ferramentas são necessárias porque a teologia, sozinha, não dispõe de todos os recursos para ler-interpretar adequadamente a realidade. Isso significa que um fazer teológico que se pretenda ser significativo para os dias de hoje seja capaz de cruzar as fronteiras da própria Teologia;
  • Deus não se revela fora da história concreta da humanidade. Portanto, os limites de tempo e espaço podem, sim, dificultar a interpretação da vontade de Deus. Ao mesmo tempo em que é preciso contextualizar o fazer teológico, isto é, promover a interação entre a Palavra de Deus e as realidades em que essa Palavra é experienciada, é preciso também, reconhecer que o diálogo com as diferentes vozes presentes nessas realidades é o caminho mais acertado quando se trata de compreender os desafios históricos que derivam ou se impõem tanto às comunidades de fé quanto à comunidade humana em geral;
  • Os teólogos e teólogas da libertação e da teologia do povo, nos limites dos contextos nos quais estavam inseridos, souberam servir-se de chaves hermenêuticas de leitura e transformação da realidade de que a Teologia não dispunha, tais como as provindas das ciências sociais e naturais. A experiência feita no continente latino-americano é uma experiência da Igreja universal. Por mais contextualizada que seja, os fundamentos que a sustentam são patrimônio de todo o povo de Deus, onde quer que se encontre;
  • Ao inserir na reflexão teológica os “últimos” como interlocutores, a teologia latino-americana reconheceu como sujeitos aqueles que antes eram apenas objetos de estudo. Ela aprendeu, assim, a não falar apenas “sobre” os pobres, marginalizados, oprimidos e excluídos, mas a dialogar “com” eles. Essa experiência, embora contextualizada, é uma experiência eminentemente eclesial e, portanto, referência para toda a Igreja;
  • Esse “método”, que começou com os “últimos”, expandiu-se hoje para outros grupos e engajou no debate teológico profissionais envolvidos com questões de gênero, sexuais, ecológicas, bioéticas, raciais, indígenas etc. No entanto, passos significativos precisam ser dados, visto que as pessoas às quais interessam tais questões ainda estão longe de serem ouvidas e acolhidas como sujeitos de uma reflexão teológica. Mais ainda, o ethos de tais pessoas/grupos/comunidades é, quando muito, objeto de curiosidade ou aversão. Mergulhar na sua existência é mais um dos grandes desafios a serem assumidos como comunidade de fé.

Quais questionamentos essa reflexão suscita?

  • É possível fazer teologia sem viver uma relação de intimidade pessoal com a Trindade? Não é essa relação que dá ao teólogo da moral o senso da própria vocação e que constitui para ele uma provocação constante para olhar a realidade com os olhos de Deus e sentir o sofrimento do povo com o coração de Deus?
  • O teólogo da moral pode ser apenas um “observador” do que acontece, sem fazer parte de uma comunidade de fé que diariamente se empenha constantemente em discernir como responder à vontade de Deus no contexto concreto em que vive e a partir dos condicionamentos de tal contexto?
  • A abertura à diversidade e o diálogo com o diferente não seriam os melhores meios para uma teologia moral inclusiva? A mera afirmação de “doutrinas constantes” não seria uma forma de falta de caridade na busca da verdade e um desrespeito a um processo que deveria caracterizar-se pela atitude constante de discernimento?
  • O tema da interseccionalidade não deveria levar o teólogo da moral a optar por uma hermenêutica “peregrina”, isto é, uma hermenêutica que esteja a caminho, resultante da escuta da realidade, das pessoas e do Espírito Santo, que fomente um processo de discernimento orientado para a integração eclesial de todas as pessoas, oponha-se à mudez com condição de participação e abra-se à multiplicidade de vozes que fazem ecoar a voz do Espírito no meio de nós?
  • Qual o papel do sensus fidei na reflexão moral? Já não passou da hora de a Igreja incorporar de forma mais efetiva a consciência dos fiéis na sua proposta moral e na práxis que dela deriva?

Quem deveria ler este artigo e por quê?

  • Estou de acordo com o autor quando afirma haver certo preconceito e certa ignorância em relação à reflexão teológica produzida em contextos distintos do europeu e estadunidense;
  • Quanto à reflexão teológico-moral produzida no Brasil – exceção feita às poucas obras traduzidas em espanhol, inglês ou italiano –, trata-se de um pensamento totalmente desconhecido;
  • Isso faz com que toda a riqueza da nossa reflexão não “faça escola”, no sentido de ajudar teólogos de outras regiões a se abrirem a perspectivas distintas das suas;
  • A dificuldade com a língua – o português não é uma língua suficientemente conhecida e valorizada em outras partes do mundo – pode, sim, ser um real empecilho. Mas acredito que o autor tem razão quando atribui à mentalidade colonialista o pouco interesse pela produção acadêmica brasileira;
  • Nesse sentido, acredito que esse artigo deveria ser lido por todos os teólogos de boa vontade que acreditem que, apesar da contextualização da reflexão, ela põe na mesa questões que possam ser de interesse universal. Nesse sentido, o interesse pelo conhecimento da língua portuguesa seria a expressão mais digna de respeito a uma parte do mundo que também tem algo de significativo a dizer.

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